sábado, 31 de março de 2018

Construir o saber


Prezados alunos,

A atividade consiste em escrever um texto explicando o que relacionando o que o autor descreve a educação no fim do século XX, o texto foi escrito em 1993, quais pontos sobre o tema foram realmente implementados nos últimos 25 anos?

A entrega deve ser realizada até o dia da prova aberta em papel de próprio punho em letra legível.

Vale 2 pontos, por isso capriche.




"No passado, impérios se construíram sustentados por uma educação universal. No futuro, países vão se atolar por falta dela. O Brasil de ontem e hoje não conserta sua educação porque faz escola para empreiteiros, não para o aluno. cuidado, diz o físico carioca."

Neste fim de século XX, depois de perder todas as oportunidades históricas anteriores, o Brasil precisa mais do que nunca tratar a educação básica como investimento indispensável a qualquer país que pretenda um lugar no mundo moderno. Porque nunca a educação foi tão decisiva para construir uma economia próspera e uma democracia participativa, fundada no pacto dos cidadãos. A informática e a automação criaram um cenário de competição internacional em que, tanto para os produtores de tecnologia como para seus consumidores, se exige cada vez mais competência cognitiva de nações inteiras. Elas sepultaram o axioma marxista de que o avanço da tecnologia desqualificaria a mão-de-obra.
Aconteceu o contrário. As formas de produção pedem trabalhadores com habilidades técnicas superiores à medida que, promovida a fator essencial da competitividade, a inovação tecnológica sai dos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento para o chão das fábricas.
Também a velocidade na mudança de produtos e na maneira de fazê-los ameaça a supremacia das grandes empresas em favor das pequenas, ágeis e versáteis. Cai o valor das matérias-primas e da energia. Aumenta o do trabalho. Esfarelam-se as vantagens dos países de modelos econômicos baseados no uso intensivo de mão-de-obra e até dos consumidores - portanto, de populações inteiras. A educação fundamental - matemática, das ciências - virou condição prevalente do desenvolvimento econômico.
Mudou o paradigma produtivo no planeta. Contra ele, táticas puramente defensivas, como as reservas de mercado, seja para produtos industrializados, seja para a mão-de-obra nacional, só iriam atrasar ainda mais, pelo isolamento, a possibilidades de inserção na economia mundial, em que o capital vai se internacionalizando rapidamente. A tentação de desenvolvimento endógeno não faz mais o menor sentido.
Deixar-se ficar para trás não é opção razoável. Com o capital internacionalizado, a escolha de onde aplicá-lo dependerá mais do perfil educacional de um povo do que dos velhos fatores geopolíticos. A desqualificação educacional servirá apenas para habilitar um país a atrair empreendimentos vorazes no consumo de energia e matéria-prima, poluidores, pouco exigentes e avarentos com a mão-de-obra.
Nesse inédito ambiente de competição internacional, países do Primeiro Mundo começam a se preocupar mais e mais com seus sistemas educacionais. Avaliações de desempenho entre estudantes de diferentes origens vão ficando freqüentes. Fracassos nesses torneios provocam reações que acabam servindo para o planejamento de políticas educacionais nos Estados Unidos e na Europa. Há restrições a esse tipo de avaliação. Mas é interessante notar que as crianças com os melhores resultados em matemática geralmente vêm de países com alto crescimento do produto interno bruto.
Pode-se explicar essa correlação com um exemplo que o historiador Christopher Hill desentranhou de uma antiga e bem estudada revolução ocidental - a inglesa, de 1640. Durou pouco, mas acabou influindo com séculos de antecedência na formação do futuro Império Britânico, aquele em que o sol nunca se punha, através de duas providências quase sempre pouco consideradas: a universalização do ensino e a secularização o conhecimento científico.
Os revolucionários ingleses pregaram, o que era inédito, a educação para todos até os 10 anos de idade, inclusive as mulheres. Para os alunos mais dotados, abria-se o acesso aos estudos superiores. Para ensinar, preferiam o vernáculo ao latim. A ciência eles libertaram da clausura livresca, popularizando a "mecânica" - isto é, a matemática e a física. Não foi por coincidência que Isaac Newton viveu, produziu sua obra e foi por ela amplamente celebrado naquele tempo. O fato é que as ciências naturais - e mais tarde as ciências sociais - entraram então para sempre nas universidades inglesas.
A educação esteve, portanto, nos alicerces das nações modernas desde as primeiras revoluções antifeudais do século XVI. Na Inglaterra, a energia que lançaria na História seu imenso império - além da Revolução Industrial - veio desses impulsos remotos, que exorcizaram a fatalidade como explicação para os infortúnios da vida, fizeram o domínio da natureza parecer possível e desejável, transformaram a ampla cidadania numa fonte de vitalidade nacional.
Nisso, não foi exceção. Foi a regra histórico. Um século e meio depois dos ingleses, as revoluções francesa e prussiana retomariam a universalização da educação como chave do igualitarismo e também para multiplicar cidadãos formados em ofícios mais práticos do que a cultura de nobres letrados. Também essas revoluções, não por acaso, produziram impérios políticos e econômicos.
No Japão, a revolução educacional Meiji, que praticamente acabou com o analfabetismo, aconteceu em 1860. Por quê ? Pela necessidade que naquela época tinha o Japão de enfrentar, com população menor, as guerras com a China e a ameaça da Armada Americana, cercando a Baía de Tóquio. Mas é ingênuo supor que haja apenas coincidência entre os esforços de educação universal, as conquistas territoriais e o sucesso econômico dessas nações - ou que a direção de causalidade entre o processo de universalização do ensino e o êxito posterior desses países não esteja claramente determinada.
Assim como parece claro que a empreitada educacional pode ter sido moldada em ideais religiosos ou na pregação igualitária, mas para que acontecesse foi preciso que interesses políticos, militares e econômicos se sobrepusessem aos velhos hábitos de manter o povo ignorante, como instrumento de controle.
Se é assim, o Brasil está neste momento jogando o futuro ou a sobrevivência no desafio de fazer sua revolução pedagógica. Até hoje, ele sempre contornou o problema. Por sua origem colonial portuguesa, não sofreu a influência das revoluções liberais do século XVIII. A educação que chegou aqui, trazida pelos jesuítas, impregnada de Contra-Reforma, não pretendeu sequer se ocupar da competência da população em geral. Faltava a necessidade de formar exércitos competentes para a defesa ou para a conquista, a colônia dispensava uma burocracia ampla e capaz, o modelo econômico extrativo, latifundiário e escravocrata não pedia mão-de-obra qualificada.
Ruim com os jesuítas, pior sem eles. A educação brasileira acabou sofrendo um rude golpe com as reformas do marquês de Pombal, o secretário português de Negócios Estrangeiros que substituiu na colônia os jesuítas por leigos mal remunerados e completamente despreparados. Nossos problemas educacionais começaram nos séculos XVIII e XIX a ficar ainda mais parecidos com os de hoje.
Nunca, até hoje, houve no Brasil uma tentativa séria de promover um acordo político e social que complementasse a formação do Estado nacional. Por isso, nunca se pensou na educação como complemento a um projeto desses. Na década de 50, o programa acelerado de substituição de importações trouxe tecnologias já prontas. Logo, dispensou a educação das massas. No golpe militar de 1964 havia planos, metas e projetos de modernização do país. Mas a idéia era construir uma nação com grandes obras de infra-estrutura, que exigiam competência gerencial e tecnológica da elite. A conseqüência foi a fantástica expansão do ensino superior, em contraste com o descaso pela qualidade do ensino básico.
O ensino superior acabou atrofiando os graus anteriores de ensino. Gasta-se com a escola básica, que atinge 28 milhões de alunos, 0,8% do PIB, em todas as esferas administrativas. Com as instituições federais de ensino superior, para 300.000 alunos, gasta-se 0,6% do PIB. Pode-se até considerar aceitável que a educação superior custe anualmente 8.000 dólares por aluno. Inaceitável é que a escola básica custe setenta vezes menos.
Essas contas mostram ao mesmo tempo a irracionalidade da política educacional e a sua lógica, compatível com o modelo de sociedade que temos. É incontestável que o desinteresse pela educação básica vem da falta de um projeto de país em que os cidadãos adquirissem, na escola fundamental, os requisitos para a democracia. Se pudesse ficar indefinidamente fechada em si mesmo, essa situação poderia continuar torta, mas em equilíbrio. Porém os novos paradigmas mundiais de produção tornam isso impraticável.
O Brasil já está em enorme desvantagem em relação ao Primeiro Mundo. Ao ritmo atual, o país só chegaria por volta do ano 2100 a dar o primeiro grau completo a 95% de sua juventude. O segundo grau completo para 90% de uma geração ficaria para 3080 - da era cristã, presume-se. E esses já são, agora, os índices do Primeiro Mundo e dos Tigres Asiáticos.
Há sessenta anos o Brasil apóia sua política em estatísticas equivocadas. difundidas pelo governo e aceitas até pelos especialistas em educação no meio acadêmico, elas e tornaram um importante argumento político para justificar prioridades totalmente desvirtuadas das necessidades reais do sistema escolar, ajudando a transformar o problema da educação em moeda de barganha eleitoreira. Além disso, escondem sintomas importantes de nosso autoritarismo social e endossam um processo que faz da criança e de sua família verdadeiras vítimas do aparato escolar.
Os primeiros dados relativamente confiáveis sobre a escola brasileira datam do censo educacional de 1931, um ano depois da criação do Ministério da Educação. Sobre eles, aplicaram-se métodos de análise totalmente inapropriados, copiados de algum país europeu - provavelmente a Inglaterra.
Nessa metodologia, compara-se a matrícula total da primeira série, num certo ano, com a matrícula total da segunda série, no ano seguinte, e deduz-e que isso mostre a evolução escolar de uma geração de alunos. Fatal equívoco. A matrícula na primeira série não contém apenas alunos novos, mas inclui repetentes.
Há uma repetência brutal: mais de 50% dos alunos da primeira série chegam a ser repetentes. A conta produz resultados tão inconsistentes com a realidade demográfica do país que o número de alunos novos na primeira série chega a ultrapassar em 70% o número de brasileiros com 7 anos de idade. Nas séries seguintes, a proporção de repetentes diminui gradativamente, mas o fenômeno permanece. Vem dessa ilusão estatística o mito de que entre a primeira e a segunda série da escola fundamental ocorre uma evasão de metade dos alunos.
É uma tolice inaceitável, mesmo para os padrões da estatística da época. Mas continua a ser repetida por governos até hoje. Com uma persistência que denota existirem por trás dela interesses políticos, alienação acadêmica e mercantilismo educacional.
A primeira reação contra essa falsa estatística veio, ainda na década de 40, do então diretor do Serviço de Estatística do Ministério da Educação e Cultura, Mário Augusto Teixeira de Freitas, fundador do IBGE. Em seu último trabalho, Teixeira de Freitas concluiu que 60% dos jovens, já na década de 30, tinham acesso à escola, que as taxas de repetência na primeira série eram de 60% e que, para uma escolaridade obrigatória de três séries, as crianças permaneciam em média 3,7 anos freqüentando a escola, mas só 45% concluíam a terceira série. Propôs que, em vez de aumentar o número de escolas, o governo melhorasse as existentes. Foi demitido.
Em meados da década de 70, o MEC, por sugestão da Unesco, adota um modelo correto de fluxo escolar. Mas, aplicado aos dados do censo educacional, ele ainda produz deformações, por desconsiderar os alunos que, para evitar a reprovação formal, são afastado da escola durante o ano e voltam, no ano seguinte, para a série anterior.
O fato é que, mais de quarenta anos depois das descobertas de Teixeira de Freitas, basta retificar as estatísticas para constatar que 96% dos brasileiros em idade escolar se matriculam, que eles freqüentam em média durante quase nove anos uma escola de primeiro grau que tem a extensão obrigatória de oito séries e que, apesar disso, apenas a metade completa a sexta série. A taxa de repetência continua exterminadora: 55% em média na primeira série, na década de 80. De Teixeira de Freitas para cá, houve uma queda de 5 pontos percentuais.
Pensar que este é um problema da escola dos pobres é outro mito. No Brasil, para os 10% mais pobres da população, a taxa de repetência na primeira série é de 75%. Para os 10% mais ricos é ainda extremamente alta, 40%. Estes dados demonstram que existe na cultura escolar brasileira uma "pedagogia da repetência" em todos os estratos da sociedade. Ela convém a políticos e empreiteiros. Não existe evasão precoce da escola. O que há são tremendas taxas de repetência que deformam as estatísticas fazendo as autoridades enxergar alunos novos onde o que há é repetentes em excesso. Isso esvazia as séries mais altas e cria alunos demais para as mais baixas. O brasileiro faz o possível para se educar. A escola, na sua incompetência, é que não ajuda.
Por outro lado, com 90% de crianças matriculadas, o acesso à escola está virtualmente universalizado. A informação de que existem milhões de crianças sem vagas ou que se evadem da escola precocemente não se sustentam em números. Pelos dados das pesquisas nacionais por amostra domiciliar, do IBGE, 90% das crianças de 9 a 10 anos de idade estão freqüentando escola e, mesmo aos 17 anos, 22% ainda estão no primeiro grau, numa idade em que deveriam ter completado o segundo grau.
Construir escolas deixou de ser uma prioridade para políticas educacionais no Brasil. Aliás, teria deixado, se não houvesse interesses políticos em jogo que não se quer contrariar. Eles mantêm a educação pública como um negócio e inspiram grandes programas assistencialistas, como o da merenda escolar, feito para remediar uma evasão escolar que só existe por deformação estatística.
Universalizar o acesso à escola foi uma proeza, numa população em crescimento acelerado, que, neste século, passou de 17,3 milhões de habitantes para 150 milhões. Chegou a hora de universalizar a educação, melhorando a qualidade do ensino nas escolas com a infra-estrutura existente - mesmo porque a taxa de crescimento demográfico diminui nesta década. Para isso, só é preciso decidir que tipo de cidadão o Brasil quer ter.

Sergio Costa Ribeiro
in Veja: Reflexões para o futuro, 1993

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